Quantas vezes você já escutou isso??
O mais interessante é que você escuta isso de gente dos 20 (às vezes mais novos) aos 120 anos.
Então, peráiumpouquinho. Alguém deve estar errado nessa história, já que o tempo de cada um está bastante deslocado.
Ou não.
Vai ver estão todos certos.
Nostalgia, saudades dos bons tempos, ou qualquer que seja o nome que damos pode ser bastante saudável, quando na dosagem correta.
O problema começa quando a pessoa tem uma dificuldade insuperável em separar sentimentos das boas qualidades intrínsecas a determinado objeto de interesse.
O nostálgico saudável olha com carinho para as coisas que lembram bons tempos da sua vida sabendo, porém, que às vezes a maior qualidade daquilo é somente transportá-lo para outro tempo. Um tempo reconfortante que poderia incluir, por exemplo, chegar do colégio e ficar a tarde toda de bobeira e sem maiores preocupações. Tocar guitarra, escutar música, ir tomar um Milk-shake de ovomaltine com os amigos ou, mesmo, deitar no sofá para assistir à Sessão da Tarde.
Mas, ao mesmo tempo, este personagem reconhece que a qualidade que ele via naquele filme, desenho, música, livro, etc., pode não ser assim uma Brastemp. Ou até, indo no popular, era uma merda mesmo.
Mas traz boas lembranças, e isso é o que importa.
A pessoa que sofre de nostalgia “maligna” perde-se em algum ponto deste passado onírico e, colocando um biombo diante dos olhos, tem uma dificuldade fisiológica em enxergar qualidade em qualquer manifestação que não seja associada àquela época. Vamos resumir: para ele, tudo que é feito hoje é um lixo.
Ao mesmo tempo, nosso “nostálgico maligno” parece sofrer de uma patologia que o leva a achar que tudo que é relacionado àquele seu “tempo melhor”, normalmente sua infância e adolescência, traz consigo uma qualidade indiscutível. Não importa o quão ridículos sejam seus argumentos para defender sua posição.
O processo que ele usa em sua argumentação, via de regra, é citar somente as coisas boas da infância, varrendo para baixo do tapete todo o lixo da época, fazendo o oposto com as coisas atuais.
E não se enganem. Existem muitos destes por aí. Talvez até você seja um deles...
Vocês podem identificá-los por seu chavão característico: "no meu tempo que era bom!" (e sua variação “ah! Meus tempos!). Normalmente repetido incansavelmente e sem direito a réplica.
Eu prefiro me considerar um nostálgico benigno.
Continuo gostando de diversos filmes, desenhos e músicas do "meu tempo", mesmo que hoje não os considere tecnicamente bons.
Dia desses da vida comprei uma pilha de DVDs da minha altura com filmes da década de 80. Analisando friamente, metade deles são uns filminhos cheios de clichês que não valem muita coisa. Mas o que me interessa são as boas sensações que eles me trazem.
Um ponto relevante a se observar nessa discussão é que o ser humano tende a se comprazer em passar a imagem de que tem mais bagagem do que o próximo, mesmo que a diferença de idade seja mínima.
Sempre pensam que as crianças de hoje não sabem o que é diversão (já escutei um camarada de 17 anos com esse discurso). Mas se refletirem por um minuto, vão observar que seus pais pensam a mesma coisa deles e que seus avós pensam a mesma coisa em relação a seus pais.
E voltamos à questão inicial: estariam todos errados (ou todos certos)?
Vamos analisar um exemplo e, recomendo, que se você reconhece em si tendências de nostalgia maligna, pare de ler por aqui (sob pena de começar a espumar de raiva).
Analisemos os desenhos animados. Por mais que eu ainda me divirta assistindo a Pica-pau, Turma do Pernalonga, e similares, é muito claro para mim que os desenhos animados de hoje, na média, são extremamente superiores aos que assistia quando criança (para registro, nasci em 1972).
Antes que o choro e ranger de dentes comecem, e seja lançada uma fatwa contra mim, vamos continuar.
Os nostálgicos de plantão vociferam sobre a violência e falta de valores positivos dos desenhos atuais, em relação aos antigos. Existe uma dificuldade de entender que em todas as épocas existem desenhos (música/livros/filmes) ótimos e outros péssimos. Hoje a situação é a mesma, com alguns desenhos horrorosos e violentos, mas alguns tão bons que não encontram similar entre os das décadas passadas.
Continuemos com o exemplo do Pica-pau. Aquele camaradinha de cabeça vermelha e muito gosto por sacanear o próximo. Embora eu me divirta até hoje com isso, o fato é que 100% dos seus desenhos se resumem ao mesmo argumento e, com pouquíssimas variações, até ao mesmo roteiro. Vamos lá: alguém corre atrás do Pica-pau e ele passa até o final fugindo e dando uma sacaneada no perseguidor. E só.
Divertido, sem dúvida. Mas não há como negar que a história é só isso.
Agora peguemos um desenho que eu considero um dos melhores de todos os tempos: Bob Esponja. A originalidade do argumento já é inegável e os roteiros são variados e sensacionais. Quem tem filhos vai reconhecer outros, como Os Padrinhos Mágicos.
Para falar a verdade se pusermos em análise somente Bob Esponja e os Padrinhos, acho que podem juntar no outro lado da balança todos os desenhos da minha infância que não há competição.
Isso sem falar naqueles desenhos ou filmes dos quais você guarda boas lembranças, mas se for assistir hoje, vai sair completamente decepcionado. Às vezes as lembranças são muito melhores do que a realidade.
As pessoas que agem, impensadamente, desta forma correm o risco de passar por situações absolutamente ridículas. Uma vez eu escutei a seguinte pérola:
- Esses seriados japoneses de hoje são horríveis! Bom era o National Kid!
Para tudo! Para tudo!! Para tudo!!!
Alguém aí já viu National Kid? Ou Ultraseven? Ou Ultraman? Ou Spectreman? Se há uma coisa que sempre se manteve no mesmo nível (ruim de doer, diga-se) são esses seriados japoneses. Então o que leva uma pessoa aparentemente razoável e de bom nível intelectual a dizer uma bobagem dessas?
É o melhor! É o melhor! ...A resposta é: paixão.
E nada contra nos apegarmos a coisas que nos trazem boas lembranças e nos fazem sentir bem. Desde que reconheçamos os motivos que regem esta paixão e que os tratemos como eles merecem: uma questão sentimentos e, não necessariamente de qualidade técnica.
Enfim, olhar com carinho para o passado não tem nada demais, e é até saudável, porém se você quer colocar uma venda nos olhos para impedi-lo de enxergar um monte de coisas legais que estão por aí, tudo bem também.
Mas o prejuízo é todo seu.