Nunca confie em alguém que diga que não tem preconceitos.
Porque é virtualmente impossível, por mais que nos esforcemos, que nos livremos completamente de todos os vestígios dessas tais idéias pré-formadas. Mas isso, definitivamente, não quer dizer que tenhamos de nos conformar com isso.
Eu faço a minha parte, tentando manter o nível de conceitos prejudiciais o mais baixo possível. E quem me conhece de perto sabe, ou deveria saber a esta altura, que sou um dos grandes defensores da idéia de que qualquer um pode fazer o que quiser da sua vida, desde que não atrapalhe a vida de ninguém. Às vezes defendo isso com tanta disposição que, por exemplo, no caso do homosexualismo, deve ter gente por aí achando que sou gay enrrustido, ou até lider de uma das boas entidades do ramo.
Chegando então ao racismo, considero esta uma das formas mais abomináveis de pensamento que pode existir. Vou ter de passar ainda por mais umas 157 vidas para conseguir entender como alguém pode automaticamente se conceber melhor do que outro, simplesmente pela cor da pele, ou formato do rosto, ou qualquer outra diferença física. Por essas e outras que, apesar de advogar a idéia de que em piada vale (quase) tudo, por uma questão de princípios não passo piadas racistas à frente (e para falar a verdade nem costumo achar graça mesmo), devido ao potencial para danos que isso tem.
Por outro lado, sou contra extremismos, e acho a cota racial para universidades, por exemplo, uma das idéias mais equivocadas dos últimos tempos (e acredite várias pessoas negras, de bom senso, acham o mesmo) . Assim como essa idéia de compensação por atos ocorridos há gerações e gerações. Acho que temos de lutar com todas as forças para garantir que essas abominações não ocorram nunca mais. Mas se formos entrar nessa onda de compensar, além do fato de que suas consequências pesariam sobre pessoas que não tem relação alguma com o fato gerador (ou você condenaria à prisão uma pessoa porque seu pai, um assassino já morto, não pôde pagar por seus crimes?), começa a complicação: quanto tempo temos de voltar? Falando de questões sociopolíticas, por exemplo, se voltarmos 2000 anos, vamos ter de devolver metade do mundo a Roma.
Mas enfim, isso é conversa que não dá para esgotar aqui, então vamos ao fato que me impulsionou a falar aqui sobre racismo. Recentemente assisti a um filme e revi um videoclipe que me fizeram revisitar o assunto.
O filme é "A hora do show" ("Bamboozled", 2000), de Spike Lee.
Nele, o único produtor negro de uma grande rede de televisão, pressionado por seu superior a criar um atração que renda público, resolve criar um programa que chocaria a opinião pública sobre a questão racista e, consequentemente, o faria ser demitido (o que era seu desejo naquele momento).
Nesse show, dois negros encarnariam os estereótipos mais ofensivos possíveis do vagabundo, malandro e preguiçoso e, a cereja do bolo, atuariam com suas caras pintadas de preto, como era comum em filmes da primeira metade do século XX, nos quais eram permitidos apenas atores brancos com as caras pintadas.
Por mais que possamos admitir que, em alguns momentos, o filme carrega um pouco nas cores, ficando meio panfletário e, talvez, um pouco exagerado, ele torna-se é um reflexo muito competente de como funciona o racismo que permeia a sociedade (principalmente a norte americana). E o que começa como uma "brincadeira" adota tons trágicos culminando em um final chocante.
É impressionante enxergar como situações que parecem tão surreais, se refletirmos direitinho, encontram tanto eco na nossa realidade, e como acabamos não notando como isso pode prejudicar tanto a vida alheia.
Fica a dica de um bom filme sobre o assunto.
Indo em frente, vamos à música:
Primeiro, se alguém não conhece o Living Colour, não sabe o que está perdendo, mas é uma banda nova-iorquina formada na década de 80, cujos dois primeiros discos "Vivid" (1988) e "Time's Up" (1990), na minha humilde opinião, deveriam constar na discoteca básica de qualquer um que goste de rock. Recomendo di com força.
A música em questão é "Funny Vibe" um petardo funk-rock que diz, sem floreios:
No, I'm not gonna rob you (Não, eu não vou te roubar)
No, I'm not gonna beat you (Não, eu não vou te bater)
No, I'm not gonna rape you (Não, eu não vou te estuprar)
So why you want to give me that Funny Vibe! (Então por que você me dá essa sensação esquisita)
No, I’m not gonna hurt you (Não, eu não vou te machucar)
No, I’m not gonna harm you (Não, eu não vou te causar mal)
And I try not to hate you (E vou tentar não te odiar)
So why you want to give me that Funny vibe! (Então por que você me dá essa sensação esquisita)
E a tônica do videoclipe, assim como o filme de Spike Lee, é calcada exatamente nos estereótipos.
O protagonista, um negro de classe média é visto pelos brancos como um mistério porque não se encaixa na imagem do rapper, jogador de basquete, cafetão ou malandro de rua, mas mesmo assim, ou talvez por conta disso, é enxergado como uma ameaça. Já entre seus "iguais" ele também parece não se encaixar, aparecendo de terno em uma quadra de basquete de rua e tentando, ridiculamente, controlar uma bola.
Esse videoclipe também é uma ótima peça de reflexão sobre o assunto.
O fato é que o mundo poderia ser muito mais simples se as pessoas fossem menos complicadas...
Eu enlouqueci uma IA
Há um dia